Maria Quitéria – Homenagem ao Dia Internacional da Mulher
* por Sérgio Pinto MONTEIRO
Hoje, Dia Internacional da Mulher, presto a minha homenagem à mulher brasileira. De todas as mulheres do mundo, vocês certamente são as mais bonitas, inteligentes, sensíveis, amigas e companheiras.
E para marcar a data, nada melhor do que recordar uma heroína da nossa história, esquecida como todos os nossos verdadeiros heróis nacionais. Vejam que mulher maravilhosa!
MARIA QUITÉRIA
Maria Quitéria de Jesus Medeiros nasceu no ano de 1792 em São José de Itapororocas, atual Feira de Santana, na antiga Província da Bahia, e ficou conhecida como a mulher-soldado por seus feitos de bravura na campanha da independência do Brasil.
Filha de Gonçalo Alves de Almeida e Quitéria Maria de Jesus, Maria Quitéria levava a vida como todas as mulheres da época e estava noiva quando, em 1821 e 1822, a Bahia se rebelava contra o domínio português. Embora sem uma educação formal, uma vez que à época as escolas eram poucas e restritas aos grandes centros urbanos, Maria Quitéria aprendera a montar, a caçar e a usar armas de fogo.
Em janeiro de 1822 transferiram-se para Salvador as tropas portuguesas, sob o comando do Governador das Armas Inácio Luís Madeira de Melo, registrando-se em fevereiro o martírio de Soror Joana Angélica, no Convento da Lapa, naquela Capital.
Em 25 de junho, a Câmara Municipal da Vila de Cachoeira aclamou o príncipe-regente D. Pedro como “Regente Perpétuo” do Brasil. Por essa razão, em julho, uma canhoneira portuguesa, fundeada na barra do rio Paraguaçu, alvejou Cachoeira, reduto dos baianos que clamavam pela Independência. A 6 de setembro, instalou-se na vila o Conselho Interino do Governo da Província, que defendia o movimento pró-independência da Bahia, enviando emissários a toda a Província em busca de adesões, recursos e voluntários para formação de um “Exército Libertador”.
Envolvida no ideal de liberdade que movia seus conterrâneos e atendendo aos pedidos da Junta Conciliadora de Defesa que convocou os habitantes da região para combater os portugueses, Maria Quitéria tomou a decisão de abandonar sua família. Depois de fugir de casa, e tendo em vista que mulheres não eram aceitas em diversas atividades, inclusive nas juntas militares, teve a idéia de se vestir de homem com um uniforme emprestado do cunhado. Assim, pôde juntar-se inicialmente ao Corpo de Artilharia e, posteriormente, ao de Caçadores, com o nome de guerra de soldado Medeiros. Seguiu, então, para onde o Major José Antonio da Silva Castro (avô do poeta Castro Alves) organizava o Batalhão dos Periquitos – assim pejorativamente chamado em razão da pouco usual cor verde do uniforme e em referência à ave típica do país. Em 29 de outubro de 1822, lutou pela defesa da Ilha de Maré, e depois se dirigiu a Itapoã. Ainda em combate, Maria Quitéria teve a sua verdadeira identidade revelada. No entanto, obteve também reconhecimento: o General Pedro Labatut, enviado por D. Pedro I para o comando geral da resistência, conferiu-lhe as honras de 1º Cadete e o Conselho Interino forneceu-lhe dois saiotes no modelo escocês, que foram sobrepostos ao seu uniforme, com capacete e penacho, para diferenciá-la dos demais militares, bem como uma espada e acessórios. Finalmente, ela não mais precisava mais se fazer passar por homem.
No fim do ano de 1822, Maria Quitéria, foi admitida ao Batalhão dos Voluntários de D. Pedro I, tornando-se, desse modo, oficialmente, a primeira mulher a assentar praça numa unidade militar, em terras brasileiras.
Maria Quitéria lutou também pela defesa da foz do Paraguaçu: o seu entusiasmo contaminou outras mulheres. Centenas delas seguiram o seu exemplo e passaram a integrar a Companhia Feminina, criada pelo Exército e comandada por ela. Em Foz do Paraguaçu, Maria Quitéria e suas companheiras, com água até o peito, conseguiram o feito heróico de, atacando uma nau portuguesa, impedir o desembarque de reforços às tropas inimigas.
Em fevereiro de 1823, participaria ainda com ímpeto da luta, atacando uma trincheira inimiga e capturando prisioneiros que levou para o acampamento da tropa.
Depois de violentos combates, quando os conflitos se já se aproximavam do centro de Salvador, os colonizadores portugueses organizaram a fuga. Na madrugada do dia dois de julho, Madeira de Melo, comandante português, embarcou 6 mil soldados, 4 mil marinheiros e 2 mil funcionários, em 84 navios e zarpou rumo a Portugal. No mesmo dia de 2 de julho de 1823, ao meio dia, as tropas brasileiras entraram em Salvador. À sua frente, a heroína Maria Quitéria. Estava selada a unidade nacional e o fim da opressão portuguesa.
Sua personalidade chamou a atenção da escritora inglesa Mary Graham : ”Maria de Jesus é analfabeta, mas muito viva. Tem inteligência clara e percepção aguda. Penso que se a educassem, ela se tornaria uma personalidade notável. Nada se observa de masculino nos seus modos. Antes, os possui gentis e amáveis” ((Journal of a Voyage to Brazil).
Em reconhecimento à sua bravura, Maria Quitéria foi recebida no dia 20 de agosto daquele ano pelo Imperador D Pedro I, que a condecorou, com o seguinte pronunciamento:
“Querendo conceder a D. Maria Quitéria de Jesus o distintivo que assinala os Serviços Militares que com denodo raro, entre as mais do seu sexo, prestara à Causa da Independência deste Império, na porfiosa restauração da Capital da Bahia, hei de permitir-lhe o uso da insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro.”
Além de receber a comenda, ela foi promovida a Alferes de Linha (hoje Tenente). Consolidada a independência do Brasil, Maria Quitéria retomou sua vida particular e casou-se com Gabriel Pereira, com quem teve uma filha, Luísa.
Morreu aos 61 anos de idade, viúva e sem bens, praticamente esquecida pela história, como quase todos os verdadeiros heróis brasileiros Os seus restos mortais estão sepultados na Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento e Sant’Ana, no bairro de Nazaré, em Salvador.
No ano do centenário de sua morte – 21 de agosto de 1953 – o então Ministro da Guerra determinou que em todos os estabelecimentos, repartições e unidades do Exército fosse inaugurado o retrato da insigne patriota. Já em 28 de junho de 1996, Maria Quitéria de Jesus Medeiros, por decreto do Presidente da República, passou a ser reconhecida como o Patrono do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.
O famoso bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, tem uma rua que, anteriormente intitulada Otávio Silva, teve seu nome alterado para Maria Quitéria em 1922, em memória dos feitos da heroína da independência.
* o autor, 82 anos, é historiador, oficial da Reserva do Exército, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa e do Instituto Histórico de Petrópolis. É patrono e fundador do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva. É presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB e presidente da Liga da Defesa Nacional-RJ.